A terceira operação sobre a chamada “Abin Paralela” foi deflagrada nesta segunda-feira (29) sem evidências suficientes de crimes praticados pelos suspeitos de integrar o “núcleo político” da organização criminosa que a Polícia Federal diz ter funcionado na cúpula da Agência Brasileira de Inteligência. Essa análise foi feita pelo jornalista Samuel Nunes, do O Bastidor.

O principal suspeito do “núcleo político” é o vereador Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro. A PF diz que Carlos Bolsonaro pediu ao delegado da PF Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e atual pré-candidato à Prefeitura do Rio, informações sobre inquéritos policiais envolvendo ele, o pai e dois irmãos.

A suspeita da Polícia Federal decorre, segundo a Procuradoria-Geral da República, da análise do sigilo telemático de Ramagem. Nele, os policiais encontraram um print – uma imagem – de um trecho de conversa mantida, segundo a PGR, entre o agora deputado federal e uma das assessoras de Carlos Bolsonaro.

A imagem compartilhada no parecer da PGR e na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixa uma série de dúvidas. Não há informações sobre a data da conversa nem maiores detalhes sobre o contexto dela. Pelo teor, é possível deduzir que a conversa aconteceu depois do primeiro turno das eleições de 2022, quando Ramagem já havia deixado a direção da Abin. (A PGR afirma, em parecer, que Ramagem era diretor da Abin naquele momento, o que não procede.) Ele saiu do cargo em março daquele ano, para disputar a eleição para deputado federal.

Leia abaixo o teor da imagem:

Nem a representação da PGR, nem a decisão de Moraes deixam clara a origem da conversa. No documento da Procuradoria, diz-se que a conversa seria entre Luciana Almeida, assessora de Carlos Bolsonaro, e Ramagem. Já na ordem de Moraes a interlocutora de Luciana seria Priscilla Pereira e Silva, assessora de Ramagem na Abin e também na Câmara dos Deputados.

Segundo a imagem, Luciana inicia o papo antes do dia 9 de outubro, provavelmente de 2022. Foi nesse dia que o interlocutor agradeceu a uma mensagem enviada por ela, desejando sucesso na nova etapa. No dia 11 do mesmo mês, ela diz que está precisando de ajuda. Não há nenhuma resposta. Não está claro, por exemplo, se eles continuaram a conversa por outro canal, como uma ligação telefônica comum ou em outro aplicativo de mensagens.

Em outro dia, não especificado nos documentos disponíveis, ela manda uma mensagem com o nome de uma delegada da Polícia Federal, os números de dois inquéritos e diz que envolvem “PR e 3 filhos”, em referência clara a Jair Bolsonaro e os filhos. Há também o nome do escrivão que acompanharia essas investigações.

A dúvida sobre quem seria o interlocutor está descrita textualmente nos textos da PGR e de Moraes. Enquanto Paulo Gonet cita que a conversa era “mantida por WhatsApp entre o parlamentar e Luciana Almeida”, a decisão do ministro afirma que o “pedido [foi] realizado por Carlos Nantes Bolsonaro, por meio de sua assessora Luciana Almeida, ao delegado Alexandre Ramagem, através de Priscilla Pereira e Silva”.

Sem provas de crime

Apesar de a troca de mensagens parecer comprometedora, não fica claro se a mensagem com o nome da delegada está relacionada à suposta ajuda pedida por Luciana a Ramagem. Tampouco há outras referências que corroborem que ele tenha atuado de alguma forma para conceder informações sobre a delegada citada pela assessora de Carlos ou sobre os inquéritos que ela cita.

De acordo com a PF, no trecho do relatório citado por Moraes, os números dos inquéritos informados por Luciana não estão relacionados à família Bolsonaro. “Os referidos inquéritos policiais não apresentam pertinência com os referidos Pr e 3 filhos. Entretanto, fontes abertas indicam que no período existiam investigações em andamento no interesse dos sujeitos razão pela qual provavelmente a fonte não obteve os números dos procedimentos corretos”, afirma a polícia.

Mesmo assim, os investigadores concluem: “Conforme se depreende da IPJ 183071/2024 que a comunicação entre os investigados Del. Alexandre Ramagem e Carlos Bolsonaro se dá precipuamente por meio de seus respectivos assessores”.

Até agora, as representações da PF nesse caso são mantidas em sigilo. Todas são de autoria do mesmo delegado. Sem acesso a elas, muito menos às evidências que as fundamentam, é impossível verificar de modo independente as afirmações de crime feitas pela PF desde a primeira operação, em outubro.

Falta uma história

A operação contra Carlos é a terceira ação da PF sobre o uso político da Abin, mas, pelos dados colacionados nas decisões, ainda não está claro se os investigadores conseguem apontar detalhadamente como, quando e de que forma tal atuação aconteceu e quem são os responsáveis diretos e indiretos pelos crimes, se é que eles ocorreram.

Em resumo, parece que ainda falta uma história a ser contada. Não está claro, por exemplo, se a PF chegou a ouvir todos os servidores da Abin que atuavam próximos a Ramagem e ao sistema First Mile, de onde eram tirados os dados de monitoramento de forma ilegal. Nenhum depoimento é citado, mesmo indiretamente.

Do lado da PGR, a quem também deveria interessar o bom andamento das investigações, o parecer emitido pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, dá indícios de que pouco se deve avançar em uma apuração detalhada sobre o caso na Abin. O principal exemplo disso é que ele resumiu, em apenas quatro páginas, o relatório da PF, em um documento bastante pobre em termos de fundamentação jurídica.

Até a decisão de Moraes, cuja falta de critérios vem sendo apontada pelo Bastidor, é mais bem fundamentada. Ao menos, o ministro e a equipe se deram ao trabalho de escrever 17 páginas para justificar os mandados desta segunda-feira. De toda forma, tudo parece uma colcha de retalhos sem lógica entre si. O leitor pode avaliar abaixo.

Leia a decisão de Moraes e o parecer da PGR sobre a operação.