Em maio, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que o governo federal pretendia retomar a importação de energia da Venezuela. O objetivo era abastecer Roraima, único estado brasileiro excluído do Sistema Interligado Nacional (SIN), que conecta toda a rede de produção energética do país. O fornecimento pelo lado venezuelano teve início em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, e foi interrompido em março de 2019, com Jair Bolsonaro. Os motivos foram mais técnicos do que políticos: naquele mês, o país vizinho enfrentava uma série de apagões duradouros. Desde então, a energia que chega na casa dos roraimenses provém de usinas termelétricas, que, além de poluentes, custam caro.

A novidade anunciada por Silveira, portanto, era animadora. A energia venezuelana viria da hidrelétrica de Guri, um fonte renovável e com preço atrativo. “É uma insanidade deixarmos de usar energia limpa para queimarmos energia fóssil e mais cara”, argumentou Silveira em entrevista à CNN Brasil, na época do anúncio oficial. O ministro apresentou números para reforçar o argumento: segundo ele, o preço que o governo paga hoje pela energia termelétrica em Roraima é de 1.100 reais por megawatt-hora (MWh). Com a hidrelétrica, a previsão era ter um preço de aproximadamente 100 reais por MWh.

A negociação envolveu Lula e Nicolás Maduro, que se encontraram no Brasil no final de maio. “Aquele linhão de Guri tem que ser colocado em funcionamento, porque não se justifica Roraima ser o único estado fora da matriz energética brasileira”, disse o presidente brasileiro, na ocasião. “A Venezuela está preparada para reconstruir essa cooperação elétrica com o estado de Roraima, com Boa Vista e com toda população fronteiriça”, disse o presidente venezuelano. Os dois governos colocaram os ministros do setor de energia para conversarem entre si. “Espero que o mais rápido possível eles nos convoquem”, continuou Lula, “para participar da reinauguração do linhão de Guri para o bem do povo brasileiro.”

A retomada dessa parceria de dezoito anos, no entanto, vem em um formato bastante diferente do original. O governo brasileiro omitiu, num primeiro momento, que o negócio seria tocado por uma empresa privada – e que uma delas já estava negociando com a Venezuela. Diferentemente do que acontecia até 2019, a comercialização de energia elétrica dessa vez não será feita entre estatais (antes eram a Corpoelec, pela Venezuela, e a Eletronorte pelo Brasil). Quem está cuidando da importação pelo lado brasileiro é a Âmbar Energia, de propriedade dos empresários Joesley e Wesley Batista, donos do grupo J&F, que administra também a JBS, a maior processadora de carne do mundo. E o preço da energia, que deveria ser um dos principais atrativos, agora é estimado em um valor dez vezes superior ao que foi anunciado por Alexandre Silveira.

Do lado venezuelano, quem está negociando a exportação de energia é também uma empresa privada, cujo nome até agora não foi revelado. Quem informou isso oficialmente ao governo brasileiro foi a própria companhia dos Batista, em uma carta enviada ao Ministério de Minas e Energia em 13 de setembro deste ano. “As tratativas entre a Âmbar e a empresa privada autorizada a exportar a energia da UHE Guri avançaram, de modo que as partes já celebraram contrato firme, por meio do qual se garantiu à Âmbar a disponibilidade de até 120 MWmed na interligação elétrica Brasil-Venezuela”, diz o documento ao qual a piauí teve acesso.

A documentação do caso mostra que a Âmbar está participando das tratativas ao menos desde março. No começo daquele mês, a empresa de Joesley enviou uma primeira carta ao Ministério de Minas e Energia avisando sobre o início das negociações comerciais com a empresa venezuelana. O governo brasileiro mencionou pela primeira vez a intenção de comprar energia do país vizinho em maio, mas nunca citou as conversas com a Âmbar.

A carta enviada pela Âmbar em março está sob sigilo. Mas, em uma missiva posterior, emitida em setembro, a empresa resumiu as informações que havia listado na primeira comunicação. Relatou ter consultado o ministério sobre a possibilidade de obter autorização para importar energia da Venezuela até o fim de 2025. Informou que já havia feito um estudo sobre a viabilidade de utilização da linha de transmissão Boa Vista-Santa Elena do Uairén, que interliga o sistema de transmissão venezuelano com a capital de Roraima. E afirmou que já estava constatada a “capacidade da empresa recapacitar o trecho venezuelano das instalações e, assim, restabelecer a interconexão entre Brasil e Venezuela em até 120 MW”.

Com informações da Revista Piauí – UOL