Fundado há quase 45 anos em um colégio católico de Higienópolis, em São Paulo, o PT foi migrando aos poucos: de um partido do Sudeste, tornou-se uma sigla com força concentrada no Nordeste. Além da mudança na geografia do voto em eleições presidenciais, as disputas municipais neste século evidenciam a transição.
O percentual de municípios nordestinos entre todos os conquistados pelos petistas aumentou em seis vezes de 2000, última eleição antes de o PT assumir a Presidência da República pela primeira vez, para 2024. O crescimento proporcional se deu ano a ano, sem nunca recuar.
Nas eleições deste ano, 68% das 252 cidades vencidas por petistas ficam no Nordeste — incluindo a única capital, Fortaleza, com Evandro Leitão. O Sudeste, região mais rica e populosa do país, segue trajetória oposta. Representava 38,6% do total em 2000, a maior fatia entre todas as regiões. Caiu aos poucos até chegar ao patamar de 16% nas últimas duas votações municipais. O Sul também tinha mais de 30% dos municípios no início do século, mas despencou agora para meros 11,7%.
— Essa mudança nas prefeituras tem a ver com a nova composição social da base petista pós-2003, que se reflete na geografia do voto. O PT no poder conseguiu atender os trabalhadores de baixa renda, mas não os de renda média — aponta o historiador Lincoln Secco, professor da USP e autor do livro “História do PT”.
Com a diminuição considerável no volume de prefeituras do partido a partir de 2016, o que chegou a afetar também o Nordeste em números absolutos, a região tornou-se o único bastião que faz com que o PT não seja apagado do mapa municipal.
— Essa progressiva “nordestinização” está relacionada, obviamente, com o apoio na região derivado de políticas distributivas. Mas também com o fato de que o partido está sendo removido dos espaços nas outras regiões. O Nordeste é o que ainda sobra — observa o cientista político e sociólogo Antonio Lavareda.
Com o efeito das políticas sociais, o PT se fincou como o preferido dos nordestinos também nas eleições presidenciais. A partir de 2006, todos os estados da região passaram a ser pintados de vermelho — o que não mudou nem em 2018, ano da vitória de Jair Bolsonaro.
Antes de Lula virar presidente pela primeira vez, o partido conseguiu pouco mais de 20 prefeituras no Nordeste, em 2000. O crescimento se deu oito anos depois, quando as políticas implementadas em um mandato e meio no Planalto já davam ao petista uma popularidade altíssima. Em 2008, foram 133 municípios conquistados.
O Sudeste, nos anos de ouro do lulismo e ainda em 2012, já com Dilma Rousseff na Presidência, seguiu como um espaço em que a sigla se criava, em paralelo à expansão para o Nordeste. Chegou a ganhar na maior cidade do país, São Paulo, com Fernando Haddad, além de superar a marca recorde de 200 municípios na região.
Tudo mudou, e não voltou até hoje a ser como era, em 2016. Com o PT mergulhado na crise impulsionada pelo impeachment de Dilma e o avanço da Lava-Jato, o número de prefeituras despencou de 667 para 252, e até o Nordeste registrou uma queda. A região, no entanto, continuou com mais de 100 prefeitos petistas, enquanto a legenda se apequenou nas demais partes do país — no Sudeste, o montante caiu em quatro vezes.
Ao analisar a mudança da base petista no país, Lincoln Secco reforça que o partido perdeu espaço entre brasileiros de renda média, e hoje, enfrenta dificuldades em atender aos anseios de moradores dos grandes centros urbanos. Essa constatação foi um dos principais recados das urnas ao PT no processo eleitoral deste ano, como destacaram diversos analistas desde então.
— Note que, mesmo nas capitais do Nordeste, o PT vai mal. Seu modelo se esgotou, e o partido se mantém por força inercial do passado, enquanto a extrema direita olha para o presente e conquista os trabalhadores de renda média, para quem o PT não tem nada a oferecer — afirma o historiador.
O Globo
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